Eu sou Jorge, alcoólatra em recuperação, e tenho 58 anos. Estou no momento mais feliz destes meus anos de vida, pois estou em recuperação, sóbrio quimicamente e em busca da minha sobriedade emocional. Aos 14 anos, comecei a usar álcool e bebi por mais de quatro décadas. Tenho formação em Ciências Biológicas e aprendi cedo que o alcoolismo é uma doença, conforme descrito na Classificação Internacional de Doenças (CID). Vivi intensamente a boemia dos anos 80. Na época, não me reconhecia como alcoolista, apesar de suspeitar.

Com o tempo, constituí família e tive meu primeiro filho, hoje já adulto. Durante esses anos, enfrentei problemas “comuns” — ou, pelo menos, assim pensava. Após o fim do meu primeiro casamento, meus “pequenos” problemas se tornaram mais frequentes. Nunca fui demitido de um emprego devido ao meu alcoolismo, mas perdi oportunidades de crescimento profissional e financeiro. Seis meses após a separação, casei novamente. Hoje, estou casado há quase duas décadas com minha atual esposa e tenho uma filha de 10 anos.

Alguns anos atrás, fui diagnosticado com transtorno ansioso e depressivo e iniciei tratamento psiquiátrico com medicamentos. Atualmente, faço uso de um único medicamento moderno. Também comecei a terapia cognitivo-comportamental (TCC), mas, mesmo assim, meu alcoolismo progredia.

Em um Réveillon, tive meu primeiro grande problema por conta do álcool: uma festa em família terminou com a polícia batendo na porta do meu quarto na pousada. Minha filha, ainda pequena, estava dormindo ao lado. Não fui preso, mas recebi uma advertência. Nos meses seguintes, os problemas continuaram, especialmente durante uma viagem ao Rio de Janeiro com minha esposa e filha, que na época tinha cerca de 6 anos. A situação se tornou insustentável, e, com relutância, fui conhecer o Alcóolicos Anônimos (AA) em reuniões presenciais. Infelizmente, tive uma impressão equivocada: achei que era apenas um grupo de pessoas mais velhas relembrando suas bebedeiras. Recaí após seis meses.

Nos anos seguintes, continuei a beber e a enfrentar problemas, especialmente no meu casamento. Cheguei a receber vários “avisos” de que minha esposa queria se separar. Eu queria parar de beber, mas não conseguia. Após várias tentativas frustradas, considerei a internação em uma clínica, mas desisti ao perceber que ficaria longe da minha filha. Decidi parar por conta própria e consegui ficar abstêmio por mais de um ano, mas sem realmente alcançar a sobriedade emocional.

Eventualmente, voltei a beber, tentando diminuir a frequência e a quantidade. Ainda assim, episódios preocupantes aconteciam, como quando peguei minha filha na escola de moto após ter bebido. Ela percebeu e avisou a mãe, o que me deixou arrasado.

Pouco tempo depois, decidi dar uma nova chance ao AA, desta vez por meio de reuniões online. Entrei em um grupo virtual e, então, descobri o que o programa de recuperação realmente significa. Comecei a entender os passos, tradições e conceitos. Fui lendo, participando das reuniões, e aprendi a importância de ter um grupo base, um padrinho e uma rede de apoio para ligar quando necessário. A cada dia, experimentava um novo despertar.

Apesar de ter consumido álcool esporadicamente nas primeiras semanas de retorno ao AA, finalmente entendi que o programa é vivido um dia de cada vez, por 24 horas. Pouco tempo depois, decidi parar de beber de vez. Acabei de completar o ciclo dos passos em uma série de encontros, usando a plataforma do Padrinho.

Hoje, o programa se revelou como um caminho para a felicidade. Estou sóbrio e em recuperação, mas só por hoje.